E DA RIQUEZA
(Ensaio etnográfico sobre as ervas ou plantas
J. M . Monarca Pinheiro
AS ERVAS DA POBREZA E DA
RIQUEZA
(Ensaio
etnográfico sobre ervas ou plantas bravas comestíveis e aromáticas do Alentejo)
Ervas ou plantas bravas
comestíveis
Acelga ou celga – Nome vulgar da Beta vulgaris L. É da família das quenopodiáceas. Não está
provado que a cultura das variedades de folhas com nervura dorsal carnuda, como
a acelga, (...) seja originária da Europa, pois a planta parece já ter sido
conhecida pelos Assírios, que apenas consumiam as folhas, em 8000 a.C. Os
Romanos também as apreciavam em caldo e cozidas com malvas silvestres, numa
mistura possivelmente laxativa. Na Idade Média, a acelga era obrigatoriamente
utilizada numa sopa de alho porro. Actualmente, utiliza-se sobretudo a nervura
branca central da folha, mas a parte verde pode substituir o espinafre.
A acelga é aquosa e pouco saborosa; porém, o seu teor em ferro e vitaminas
confere-lhe ópticas qualidades alimentares, e a cataplasma das suas folhas
cozidas e trituradas tem um efeito emoliente.
É uma fonte considerável de magnésio, contém vitamina C e betacarotenos,
transformáveis pelo organismo em vitamina A.
As folhas externas, mais verdes, são as mais vitaminadas. Mas, para
consumir em saladas, são preferíveis a interiores. Evitar as acelgas com folhas
muito grandes e enrugadas: significa que já floresceram e que têm um sabor
amargo. Como tempero, sugere-se uma mistura de salsa, cebolinho, estragão,
tomilho, azeite e sal.
Agrião – Agrião das fontes, agrião-de-água – Nome vulgar do Nasturtium officinale R. Br.
É da família das crucíferas.
Para aproveitar ao máximo as importantes propriedades do agrião, é
necessário utilizá-lo muito fresco e verde e lavá-lo previamente, pois é
susceptível de transmitir ao homem uma doença parasitária, a distomatose. Se
estas regras forem devidamente cumpridas, a planta merece indubitavelmente a
designação de “saúde do corpo”, que lhe é atribuída nos meios rurais de França.
É uma pequena planta vivaz, aquática, cujo cheiro picante determinou o seu nome
científico nasturtium, que deriva da expressão nasus tortus,
nariz torcido.
O agrião é uma planta de grande valor medicinal, pois a sua riqueza em
vitaminas e sais minerais confere-lhe propriedades de excelente estimulante e
antiescorbútico. A espécie cultivada tem as mesmas propriedades. Para o
encontrar em locais onde não é cultivado, são necessários longos percursos pelos
prados húmidos, até conseguir colhê-lo numa nascente, numa fonte ou num pequeno
regato.
O agrião tem baixo valor calórico – fornece apenas 22 calorias em 100 gr -,
é uma boa fonte de vitamina C e vitaminas do complexo B, é rico em fósforo e
ferro e possui muitas fibras. Por ser um alimento com propriedades tónicas, é
considerado tanto uma boa entrada, como um salutar acompanhamento. Pode ser
consumido sozinho ou misturado com outra verdura. Como tempero vai bem com sal,
azeite e limão ou vinagre.
Alcachofra – Alcachofra hortense – Nome vulgar da Cynara scolymus L.. É da família das compostas.
Planta próxima do cardo-do-coalho, Cynara cardunculus L., das
regiões mediterrânicas, a alcachofra é uma variedade não espinhosa dessa
planta, que provavelmente surgiu por mutação nas culturas nos inícios do século
XV.
Na planta deve distinguir-se a flor, parte edível, constituída por um
capítulo de grandes dimensões, do qual se consome em culinária o receptáculo
carnudo e as brácteas, denominadas impropriamente folhas.
Beldroega – Nome vulgar da Portulaca
oleracea L. É da família das portulacáceas.
Esta erva muito antiga, utilizada em saladas e sopas, com pequenas folhas
carnudas, é frequente nas velhas hortas
e nas imediações de locais habitados, embora também seja cultivada.
Originariamente espontânea da Grécia à China, a beldroega é hoje uma erva
infestante propagada em grande parte do mundo. Um teor importante de
substâncias mucilaginosas determina as diversas propriedades da beldroega. A
cultura desta planta é extremamente fácil. Crua, misturada em saladas ou cozida
é reguladora da função intestinal. Entra na sopa de beldroegas.
Cardo-de-santa-maria, cardo leiteiro, cardo mariano – Nome vulgar da Silybum marianum Gaertn (outros
nomes por que são conhecidos: carrasquinhos, cardinhos, tengarrinhas). É da
família das compostas.
Originário das regiões mediterrânicas, de 0,30 a 1,50 m de altura. Bienal,
caule erecto e robusto; folhas grande, brilhantes, verdes com manchas brancas
ao longo das nervuras, margens onduladas ornadas de cílios e espinhos; flores
cor de púrpura-violácea (julho-Agosto), tabulosas, em capítulos hemisféricos
solitários, com brácteas coriáceas terminadas em espinho.
Desde tempos muito remotos, a planta é conhecida nos meios rurais pelo seu
valor alimentar. Das folhas jovens fazem-se saladas, e as raízes e os capítulos
são preparados por cozedura em água.
Catacuses – Nome vulgar da Rumex
bucephalophorus Lin. É da família das poligonáceas.
Planta geralmente anual caracterizada por folhas inferiores
espatulado-lanceoladas, ou largamente obovadas, cachos áfilos, pedicelos
grossos muito dilatados perto do cimo, arqueado-recurvados na maturação, flores
quase sempre hermafroditas com as tépalas internas dentado-espinhosas e sem
calosidade. É frequente nos terrenos mais ou menos encharcados.
Chícharo, grão comestível, espécie de feijão – Nome vulgar do Lathyrus cícera Lin. É da
subfamília das papilionadas (leguminosa anual, trepadora), tribo das vicieas de
caules visivelmente alados na parte superior; folhas com dois folíolos lineares
ou lanceolados, agudos os superiores com gavinha ramosa; flores em pedúnculos
unifloros múticos ou submúticos menores do que a folha, maiúsculas, vermelhas,
com o estilete contorcido na base; vagens sem ginóforo, oblongas, glabras,
amarelas na maturação, caniculadas no bordo superior, ápteras. É sub-espontânea
nas searas, vinhas e campos do Alentejo. As sementes eram utilizadas na
alimentação.
Depois de jantar, um magnífico jantar de carne d’ovelha com xíxaros, que se
desfaziam na boca, armou-se ao pé do lume uma banca de jogo, começando por se
jogar a bisca, a cigarros, e acabando por se jogar a pedida, a herdades (Brito Camacho, Gente Vária).
Cogumelo – Nome dado a vários
vegetais criptogâmicos, alguns comestíveis, outros venenosos; o mesmo que
tortulho, míscaro e fungo. São fungos basidiomicetas da ordem dos
autobasidiomicetas, sub-ordem das himenomicetíneas e em especial das famílias
das agaricáceas, poliporáceas e hidnáceas, respectivamente conhecidos como
cogumelos de lâminas, de poros e de agulhas. Os mais apreciados na cozinha
alentejana são a Amanita ovoídea, conhecida por pucarinho ou cilarca,
e o Boletus edulis, conhecido por boleto doce ou boleto bom, ou ainda,
em Azaruja, por boletes, termo de origem catalã.
Espargo – Nome vulgar do
género asparagus Lin.. É da famíla das liliáceas.
No Alentejo é frequente o espargo bravo (nas sebes, incultos e margens de
campos),
nome atribuído ao asparagus aphyllus Lin. caracterizado por
cladódios lineares, rígidos, espinescentes, persistentes, fasciculados,
compridos e desiguais, folhas escamiformes com esporão espinhoso na base,
flores amarelo-esverdeadas e baga por fim negra.
Labaça-crespa, ou labaça (ou alabaças) – Nome vulgar do Rumex crispus Lin., erva vivaz de folhas
ondolado-crespas, as basilares estreitamente lanceoladas, atenuadas ou
subtroncadas na base, agudas; panícula com os ramos curtos levantados áfilos;
valvas inteiras, largas, ovado-cordiformes; flores hermafroditas. É comestível
e forrageira.
Rabaça ou Rabaça Mansa – Nome vulgar do Apium
nodiflorum L. É da família das umbelíferas.
Planta muito vulgar nas águas correntes ou estagnadas cuja
raiz é tóxica. Erva vivaz de caule radicante na base, folhas penatissectas, com
seis a dois pares de segmentos ovado-lanceolados ou ovados, maiúsculos ou
grandes, miudamente serrados; umbelas sésseis ou com pedúnculo curto, com três
a doze raios, sem invólucro ou com este reduzido a uma ou duas brácteas
caducas no cedo.
Enquanto o Joaquim limpava os detritos observei na regata de drenagem,
entre mantrastos, um ou outro pé de poejos e agriões ainda curtos, e algumas
exuberantes poupas de rabaça brava, a temível cicuta, de mistura com as rabaças
ditas mansas, comestíveis, e destas mastiguei algumas hastes suculentas, pois além
da boca seca já ia sentindo cá dentro o discreto roer dum velho rato; delas
então colhi um grande molho. Nesse preciso momento dois pensamentos antagónicos
me passaram pela mente: um, elevado e filosófico (...), o outro, um baixo
pensamento gastronómico, dirigido ao futuro, em que imaginei ao lume a panela
do jantar do dia seguinte exalando o maravilhoso perfume de rabaças com coelho,
que me produziu uma inundação de saliva nesta boca sequiosa (Bento Caldeira, Alentejo em Foco).
Túberas ou trufas – Nome
vulgar do estroma esporífero tuberoso (subterrâneo, comestível, de
fungos basidiomicetas).
Da família das himenogastráceas ou especialmente ascomicetas, das famílias
das eutuberáceas, terfeziáceas e elafomicetáceas, as duas primeiras
frequentemente incluídas na única família das tuberáceas.
Os solos calcários bem drenados são-lhe duma maneira geral favoráveis. A
associação dos fungos produtores de túberas e das raízes de certas árvores e
outras plantas tem sido frequentemente observada.. Assim, muitas túberas são
próprias dos lugares revestidos por carvalhos. A túbera mais frequente no
Alentejo é a Terfezia leonis Tul. Para procurar as túberas nos terrenos
podem empregar-se cães adestrados ou suínos. Estes últimos procuram-nas e
desenterram-nas para as comerem.
(...) Na época das túberas, que os porcos são uns artistas para as
encontrarem, e dão o cavaquinho por elas (...) – Brito Camacho, Gente
Rústica.
Gastronomia da Ervas ou Plantas Bravas Comestíveis I
Sopa de beldroegas – Arranje
dois ou três molhos de beldroegas aproveitando só as folhas e escalde-as com
água bem quente. Retire as capas de fora a quatro cabeças de alho. Num tacho
deite decilitro e meio de azeite e frite ligeiramente as cabeças de alho que
devem ser deitadas inteiras. Junte as beldroegas para refogarem ligeiramente.
Deite água suficiente para a sopa, cerca de um litro ou litro e meio, conforme
gosto, e dois queijos de cabra, brancos, partidos aos quartos. Junte um quilo
de batatas cortadas às rodelas. Quando as batatas estiverem quase cozidas
escalfe quatro ovos. Tempere de sal, atendendo ao sal que o queijo de cabra
tem. Serve-se sem pão ou com pão cortado às fatias. Numa travessa separada
deitam-se as beldroegas, as cabeças de alho, as batatas, os queijos e os ovos.
Sopa de feijão branco com tengarrinhas (cardos) – Escolha e limpe as tengarrinhas. Num decilitro de azeite deite
uma cebola picada e dois dentes de alho igualmente picados. Deixe alourar um
pouco e depois deite as tengarrinhas. Coza meio litro de feijão branco em muita
água com sal e depois de cozido junte-o às tengarrinhas. Complete com a água
onde cozeu o feijão. Pode migar sopas de pão na terrina antes de deitar a sopa.
Sopa de feijão encarnado com catacuses – Coza os catacuses depois de escaldados. Coza o feijão encarnado separado
dos catacuses, em muita água temperada com sal. Escolha as folhas de quatro
molhos de poejos. Num almofariz faça um piso com quatro dentes de alho, as
folhas de poejos e uma pitada de sal. Num tacho faça um refogado com decilitro
e meio de azeite e massa do piso. Deite depois litro e meio da água em que
cozeram os catacuses e os feijões, metade de cada. Deixe ferver e junte em
seguida os catacuses e os feijões. Deixe apurar um pouco. Pode juntar, se
quiser, fatias de pão.
Esparregado de catacuses com carapaus ou sardinhas fritas – 1 molho grande de catacuses, 2 decilitros de
azeite, 4 dentes de alho, 1 molho de coentros, 100 gramas de farinha, 1 folha
de louro, sal q. b., 1 colher e meia de sopa de vinagre, 1 kg de carapaus
pequenos ou sardinhas. Corte os pés aos catacuses, lave-os muito bem, ponha ao
lume um tacho com água temperada de sal, quando começar a ferver deite dentro
os catacuzes, deixe ferver durante dez minutos, depois escorra-os num passador
com burados, pise os alhos com os coentros, no mesmo tacho que cozeu os
catacuses deite o azeite, ponha ao lume com os coentros e alhos pisados, deite
o louro, deixe refogar um bocadinho, junte os catacuses já bem escorridos
mexendo tudo, junte a farinha, mexa bem, junte o vinagre, mexa tudo e rectifique
de sal e dê a volta para ficar com o feitio de um rolo. Fritam-se os carapaus
ou as petingas. Deve servir-se o esparregado com o peixe à volta.
Sopa de favas com catacuses e queijo de cabra
– ½ Kg de favas, 1 molho de catacuses, 1 cebola, 3 dentes de alho, poejos q.b.,
azeite q.b., 1 queijo de cabra, 8 fatias de pão de trigo. Estufam-se as favas e
quando estão quase prontas juntam-se os catacuses e o queijo de cabra. Para as
sopas, se necessário, acrescenta-se um pouco de água. Rectificam-se os
temperos. Serve-se a sopa sobre as fatias do pão.
Sopa de túberas ou trufas brancas - Deite
uma colher de sopa de banha num tacho e frite uma linguiça cortada às rodelas e
150 gramas de toucinho cortado às tiras finas. No pingo que ficou faça um
refogado com uma cebola cortada às rodelas, dois dentes de alho picados, salsa
picada e uma folha de louro. Tempere de sal. Deixe alourar. Junte três tomates
cortados aos bocados, sem pele nem pevides e quando o refogado estiver pronto
junte litro e meio de água. Deixe ferver e deite as túberas que devem ser
cortadas às rodelas. Depois de estarem cozidas escalfam-se ovos no caldo da
sopa. A sopa de pão é facultativa.
Túberas com ovos – Parta as
túberas em rodelas grossas. Num tacho deite meio decilitro de azeite, duas
colheres de sopa de banha e faça um refogado com uma cebola picada, um dente de
alho picado e uma folha de louro. Junte as túberas e tempere com sal. Quando
estiverem apuradas retire-as do lume e junte seis gemas de ovos, o sumo de um
limão e salsa picada. Leve outra vez ao lume para o molho engrossar com os
ovos.
Sopa de chícharos – Ponha os
chícharos de molho, de um dia para o outro. Numa panela junte tudo em cru: os
chícharos, uma cebola cortada às rodelas, três dentes de alho, uma folha de
louro, uns grãos de pimenta preta, um cravinho e três colheres de sopa de
azeite. Tempere de sal. Deixe ferver e apurar muito bem. Quando a sopa estiver
pronta deite mais três colheres de sopa de azeite. Tape a panela, deixe
repousar dois ou três minutos depois de mexer bem após ter deitado ao azeite.
Sopa de espargos bravos –
Corte os espargos bravos em bocados e ferva-os, mas não aproveite a água onde
ferveram. Faça um refogado num decilitro de azeite com 125 gramas de toucinho
cortado às tiras, quatro dentes de alho picados, uma cebola pequena cortada às
rodelas e uma folha de louro. Depois de alourar deite os espargos aos bocados e
deixe que se envolvam no refogado. Deite depois litro e meio de água. Tempere
com sal. Deixe ferver e em seguida deite uma colher de sopa de farinha
dissolvida em vinagre. Junte ao caldo e deixe ferver novamente até apurar. Pode
escalfar uns ovos e servir com ou sem fatias de pão.
Migas ricas com espargos –
Tempere com uma massa feita de sal, alho e massa de pimentão, um quilo de carne
de porco da perna, um quilo de entrecosto e 250 gramas de toucinho. Deixe que a
carne se tome destes temperos durante um dia. Arranje um molho de espargos
bravos aproveitando só as cabeças. Coza-as muito pouco depois de as ter
escaldado em água a ferver. Arranje duas mioleiras de porco e regue-as com um
golpe de vinagre. Numa frigideira de barro frite as carnes em três colheres de
sopa de banha. Retire as carnes e deite os miolos no pingo. Desfaça-os com uma
colher de pau. Num outro tacho deite fatias de pão e regue-as com um pouco de
água quente. Deixe-as estar abafadas uns minutos. Depois vá desfazendo o pão
com uma colher de pau e junte o pingo em que ficaram as carnes, depois de
passado por um passador. Junte depois os miolos. Faça uma bola e quando ela
estiver quase feita, deite as cabeças dos espargos. Continue a bater até que as
migas fiquem douradas. Comem-se com as carnes fritas.
Pastelão de espargos bravos –
Parta quatro molhos de espargos tendo em atenção que deve partir só as partes
que se partem com facilidade até um pouco abaixo da cabeça. Escalde-os em água
a ferver. Numa frigideira faça um refogado com meio decilitro de azeite, uma
cebola picada e três dentes de alho picados. Tempere com sal. Deite os espargos
e deixe cozer até ficarem tenros. Bata oito ovos, ponha sal e deite junto os
espargos. Mexa e deixe que os ovos cozam. Com a ajuda de um prato vire os
espargos e os ovos para cozerem do outro lado.
Gastronomia da Ervas ou Plantas Bravas Comestíveis II
Sopa de grão com acelgas –
Ponha um litro de grão de molho de um dia para o outro. Esfregue-os com sal,
para perderem a casca, e com as acelgas ainda cruas. Escalde-as com água bem
quente. Numa panela deite o grão, as acelgas e litro e meio de água. Quando
estiverem os grãos e as acelgas cozidas, deite três dentes de alhos picados,
uma folha de louro, decilitro e meio de azeite e sal. Deixe apurar. Migam-se
sopas de pão e deitam-se os grãos e as acelgas por cima.
Esparregado de acelgas –
Escolhas as acelgas e depois de lavadas escalde-as em água a ferver durante
cinco minutos. Corte-as em juliana muito fina e passe-as na máquina de picar.
Ponha um decilitro de azeite numa frigideira e deite quatro dentes de alho
inteiros. Quando os dentes de alho estiverem louros retire-os da frigideira e
deite as acelgas. Mexa muito bem com uma colher de pau até fazerem uma massa.
Tempere de sal e deite um pouco de hortelã e continue a mexer. Desfaça uma
colher de sopa de farinha em vinagre e junte ao esparregado. Deixe ferver um
pouco e sirva.
Ensopado de borrego com cilarcas – Faça-se um refogado num decilitro de azeite e três colheres de sopa de
banha com duas cebolas picadas, três dentes de alho também picados, um ramo de
salsa e um cravinho. Corte quilo e meio de borrego aos bocados, da parte das
costelas e cachaço, e junte-os no refogado. Nesta altura, depois de ter as
cilarcas muito bem lavadas, corte-as e junte-as à carne. Deixe que tudo se
envolva e se passe muito bem pelo refogado. Deite uma colher de sopa de
vinagre. A seguir deite litro e meio de água temperada com sal. Deixe ferver e
apurar.
Cilarcas com ovos – Depois de
estarem bem lavadas, corte as cilarcas às rodelas finas. Tempere-as com sal e
pimenta preta. Ponha numa frigideira meio decilitro de azeite e deite as
cilarcas. Passe-as um pouco, ligeiramente, e depois bata ovos numa tigela e
deite com as cilarcas. Mexa e não deixe passar muito os ovos.
Ovos com labaças – Migue um
molho de labaças em juliana muito fina e escalde-as em água quente durante
cinco minutos. Ponha numa frigideira duas colheres de sopa de azeite e frite
nele três dentes de alho inteiros. Depois de fritos retire-os da frigideira e
deite as labaças. Tempere de sal. Mexa e deixe que as labaças fiquem passadas.
Bata oito ovos numa tigela e pique para dentro dos ovos as folhas de um molho
de coentros. Deite os ovos junto às labaças, deixe que os ovos cozam, não
muito, e sirva.
Salada de labaças – Pique uma
cebola e dois dentes de alho e ponha no fundo duma saladeira. Deite duas
colheres de sopa de azeite, uma colher de sopa de vinagre e um pouco de pimenta
preta. Misture muito bem com um garfo. Escolha as labaças, lave-as e parta-as à
mão, às farripas. Coza dois ovos e depois de cozidos parta-os aos quartos e
junte-os na saladeira. Tempere com sal. Deite as labaças nos temperos e mexa
bem.
Pão de lebre com labaças –
Parta uma lebre aos bocados e tempere-a com sal e pimenta. Faça um refogado com
duas cebolas e seis dentes de alho picados, uma folha de louro esmagada e uns
grãos de pimenta preta. Quando a cebola estiver loura deite um copo de vinho
tinto. Ponha os bocados de lebre no refogado e deixe que cozam e apurem durante
uma hora. Junte golinhos de água, quando for necessário, para a lebre não se
pegar ao fundo do tacho. Quando a lebre estiver pronta, ao fim de uma hora de
cozedura, retire os bocados e desosse-os completamente. Passe o molho por um
passador fino. Numa panela coza dois molhos de labaças e escorra-as. Num prato
de ir ao forno cubra o fundo com uma camada de labaças e regue com um fio de
azeite. Ponha depois uma camada de fatias finas de pão barradas com um dente de
alho e regue-as também com um fio de azeite. A terceira camada faz-se com a
carne de lebre desossada. Regue cada camada com o molho já coado. Volte a pôr
uma camada de labaças, outra de pão e outra de lebre, e desta forma até acabar
numa camada final com fatias de pão. Leve ao forno a alourar as fatias de pão
da última camada.
Boletes (cogumelos bravos) –
Parta os boletes depois de lavados. Faça um refogado com um decilitro de
azeite, seis dentes de alho picados, um ramo de salsa picada, uma malagueta e
sal. Quando o refogado estiver pronto deite os boletes e, em lume brando, deixe
apurar bem.
Sopa de feijão com cardos – 1
litro de feijão, 1 decilitro de azeite, 200 gramas de toucinho, 1 chouriça,
três molhos de cardos, 1 ramo de salsa, 2 cebolas, 1 cabeça de alhos, duas
folhas de louro, 1 Kg de pão de trigo, 0,5 Kg de batatas, duas mãos cheias de
arroz, colorau q.b., água q.b., sal q.b. Põe-se uma panela de barro em lume de
chão, com o feijão, o toucinho, a chouriça e os temperos, a salsa, os alhos, a
cebola, tudo bem picado e junta-se água para cozer. Quando o feijão estiver
quase cozido, misturam-se os cardos e por último as batatas cortadas às rodelas
e o arroz. Migam-se sopas de pão duro numa barranha e deitam-se as sopas de
feijão sobre as mesmas. Por último, come-se a chouriça e o toucinho,
acompanhados com salada de alface cortada muito fina.
Sopa de grãos com carne e cardos – 700 gramas de carne de borrego, 2 ou 3 ossos de porco salgados, 2
cebolas, um molho de salsa, sal q. b., 300 gramas de batatas, 1 molho de
hortelã, 150 gramas de toucinho, 1 linguiça, 4 a 5 colheres de sopa de azeite,
1 kg de pão de trigo, ½ Kg de grão, 2
molhos de cardos. Os grãos ficam de molho de um dia para o outro com água e
sal. Vão ao lume com bastante água e deita-se o azeite. Quando estiverem quase
cozidos mistura-se a carne, o toucinho, a linguiça, a cebola e a salsa.
Deixa-se cozer um bocado e depois misturam-se os cardos e as batatas, quando estiver
tudo bem cozido e muito bem apurado, fica pronto a servir. Migam-se as sopas
para uma terrina e deita-se a hortelã partida aos bocados sobre as sopas de
pão, deitando-se o caldo para a respectiva terrina. Para acompanhar as sopas
deitam-se numa travessa os grãos com os cardos e as batatas. Por último
serve-se a carne, que deve ser acompanhada com salada de alface, rábano,
azeitonas e vinho, se o houver.
Sopa de cardos com bacalhau limado – 1 molho de
cardos, duas postas médias de bacalhau, 1 decilitro de azeite, 1 molho de
coentros, 4 dentes de alho, 1 colher de sopa de farinha, uma colher de sopa de
vinagre, pão de trigo duro para sopas q.b., 1 folha de louro, 1 colher de
colorau. Partem-se os cardos aos bocados e escaldam-se num tacho. Num outro recipiente
coloca-se o azeite com os coentros e alhos (que foram previamente pisados num
almofariz) e também o louro e o colorau. Deixam-se alourar estes elementos,
juntando depois o bacalhau e os cardos com a água suficiente para fazer o caldo
para a sopa, e quantidade de sal necessária, deixando cozer. Depois dos
componentes estarem bem cozidos, em lume brando, acrescenta-se a farinha e o
vinagre. Colocam-se as sopas numa terrina, junta-se o caldo. Numa travessa
põem-se o bacalhau e os cardos.
Cardos com ovos – Depois de
ter os cardos lavados e preparados, passe-os por meio decilitro de azeite e
depois junte os ovos batidos. Mexa para incorporar bem os ovos com os cardos
mas não deixe que os ovos fiquem passados.
Ervas ou plantas bravas aromáticas
Alecrim – Nome vulgar do Rosmarinus
officinalis L. É da família das labiadas.
É abundante nas serras e charnecas do Alentejo. É um arbusto que atinge de
0,50 a 1,50 m de altura. Tem caules lenhosos e folhosos; folhas sésseis,
coriáceas, estreitas, com bordos enrolados e persistentes; flores azul-claras e
esbranquiçadas (todo o ano), em pequenos cachos axilares, cálice curto,
campanulado, com três dentes, corola longa, com dois lábios, um com dois
lóbulos erectos e o outro com três lóbulos, sendo o médio maior e côncavo, dois
estames. Cheiro a incenso e cânfora; sabor aromático.
Hortelã da Ribeira ou Hortelã-da-Água – Nome vulgar da Mentha aquatica L. É da família das labiadas.
Erva vivaz, das valas, rios e lugares húmidos, solos alagados. Polimorfa,
caules com pelos eriçados, bem como as folhas ovais muito pecioladas; corola
provida internamente de um anel de pelos, de ordinário rosada, flores em
verticilos pouco numerosos, globoso-capitados, cálice multi-nérveo pubescente
com dentes estreitos; carpetos verrucosos.
Manjerona – Nome vulgar da Origanum
majorona L. É da família das labiadas.
Esta pequena labiada aromática, com folhas aveludadas,
flores minúsculas, brancas ou rosadas, agrupadas em espigas oblongas, muito
juntas e com grandes brácteas côncavas, foi introduzida na Europa na Idade
Média, possivelmente pelos cruzados, o seu nome foi depois atribuído ao vulgar
oregão indígena. Este facto originou confusões seculares que ainda persistem.
Orégão – Nome vulgar do Origanum
vulgare L. É da família das labiadas.
No estado espontâneo o oregão é uma planta de montanha como indica o nome,
derivado das palavras oros, montanha, e ganos, esplendor,
abundante nas zonas secas e soalheiras.
É uma planta de 0,30 a 0,80 m de altura. Vivaz, caule erecto, por vezes
corado de vermelho, com quatro ângulos e ramoso na extremidade superior; folhas
inteiras pecioladas, ovais, pontiagudas e subglabras; flores
cor-de-rosa-púrpura (Julho-Setembro), numerosas, em glomérulos dispostos em
panículas terminais densas, com numerosas brácteas cor de púrpura e violáceas,
cálice campanulado com treze nervuras e cinco dentes, corola com tubo saliente,
lábio superior erecto e chanfrado, sendo o inferior trilobado, e quatro estames
divergentes; tetraquénio, sendo cada uma das partes ovóide e lisa; rizoma
rastejante, escuro e com raízes fibrosas.
Poejo – Nome vulgar da Mentha
pulegium L (erva das pulgas). É da família das labiadas.
É abundante nos campos do Alentejo em vales fluviais e locais inundados
durante o inverno. De caule curto, ramos floridos (Junho-Julho) praticamente
desde a base até à extremidade; folhas pequenas, vilosas acizentadas,
ligeiramente serradas e subsésseis; cálice bilabiado, muito viloso
internamente, corola que se alarga bruscamente, gibosa de um lado, sem anel de
pelos. Cheiro agradável.
Rosmaninho – Nome vulgar da Lavandula
stoechas L. É da família das labiadas.
É abundante nos campos do Alentejo. É um subarbusto
aromático, ascendente ou prostrado, de folhas verde-acizentadas, mais ou menos
branco-tomentosas, subliniares, inteiras, mais ou menos enroladas na margem,
estreitas, lanceoladas, flores cor de púrpura (Março-Abril) dispostas em
verticilastros paucifloros, reunidos em espiga densa com o pedúnculo geralmente
muito curto até quatro cm, de aroma penetrante.
Tomilho – Nome vulgar do Thymus
vulgaris L. É da família das labiadas.
É abundante nas colinas áridas onde as suas moitas lenhosas baixas com
folhas perenemente verdes exalam ao sol o seu aroma. É um subarbusto de 0,10 a
0,30 m de altura. De caules tortuosos, lenhosos, ramos acizentados, erectos e
compactos; folhas pequenas, sésseis, lanceoladas, tomentosas, esbranquiçadas na
página inferior; flores rosadas ou brancas (Maio-Outubro), pequenas, em espiga
na axila das folhas maiores, cálice giboso com pelos duros, com três dentes
superiores largos e dois ínferos agudos, corola bilabiada e quatro estames;
tetraquénio castanho e glabro.
Gastronomia da Ervas ou Plantas Bravas Aromáticas
Calducho (com poejos)
– Coza duas postas de bacalhau. Num tacho ponha decilitro e meio de azeite e
frite alhos inteiros. Junte um molho de poejos e deixe refogar um pouco sem que
os poejos percam cor. Deite um litro de água, tempere de sal e deixe ferver.
Escalfe os ovos que quiser na água. Desfie o bacalhau e parta pão aos cubos
para dentro de uma terrina. Verta a sopa, deite os ovos e o bacalhau às lascas
em cima e abafe a sopa durante cinco minutos.
Sopa de peixe da ribeira (com
poejos e hortelã-da-ribeira)– Derreta cem gramas de toucinho partido às
tiras e no pingo frite uma linguiça cortada às rodelas. Retire as carnes e faça
um refogado com três cebolas cortadas às rodelas, seis dentes de alho picados,
um molho de hortelã-da-ribeira e um molho de poejos. Corte em postas 1 Kg de
barbo e 1 kg de achigã e deite-as no refogado. Deite litro e meio de água e
tempere com sal. Misture duas colheres de sopa de farinha de trigo com vinagre
e junte ao caldo. Sirva a sopa numa terrina sobre fatias de pão. O peixe é
servido em travessa separada.
Oregada de peixe (com
oregãos) – Faça um refogado com duas cebolas cortadas às rodelas, três
dentes de alhos picados e duas colheres de sopa de oregãos. Quando a cebola
estiver branda deite um copo de vinho branco. Junte um quilo de postas de peixe
do rio, cortadas finas e tempere com sal. Deixe refogar um pouco. Arranje dois
tomates sem pele nem pevides esmague-os para dentro do refogado. Junte um
pimento encarnado cortado às tiras. Acrescente com um golo de água e deixe
apurar. Ao arredar deite mais uma colher de sopa de oregãos.
Migas do Guadiana (com
poejos) – Coze-se um barbo na água do rio, com um pouco de sal. Depois de
cozido limpa-se de todas as peles e espinhas. Aloura-se uma cebola cortada às
rodelas e quatro alhos picados num decilitro de azeite. Deita-se o barbo
desfeito juntamente com um molho de poejos. Mexe-se bem e vão-se juntando
bocados de pão, previamente mergulhados em água, temperada com sal. Fazem-se
umas migas, com a ajuda de uma colher de pau, até ficarem com consistência para
se fazer uma bola. Se for necessário deita-se mais um fio de azeite para as
migas escorregarem melhor nas paredes do tacho.
Migas de tomate (com
oregãos) – Pique duas cebolas e quatro dentes de alho e faça um refogado
num decilitro de azeite. Junte uma folha de louro e um quilo de tomate
desfeito, sem pele nem pevides. Bata bem para envolver o tomate no refogado.
Deite fatias de pão e vá desfazendo o pão, que deve juntar-se bem ao tomate
refogado, com a ajuda de uns goles de água temperados com sal. Proceda de forma
a fazer uma bola que deve ficar bastante vermelha, tomando as migas a cor do
tomate. Quase no fim deite um pouco de oregãos. Acompanha com sardinhas ou
carapaus fritos.
Feijão com bacalhau e poejos
– 0,375 lt de feijão manteiga, 4 postas de bacalhau, 2 cebolas, 1 cabeça de
alhos, seis colheres de azeite, louro q. b., 3 molhos de poejos, sal q. b., pão
de trigo q. b. Coze-se o feijão não deitando o caldo fora. Faz-se um refogado
com cebolas e alhos bem picados, deitam-se o louro e os poejos bem arranjados e
deixar apurar algum tempo. De seguida junta-se o feijão já cozido, assim como o
caldo. Deitam-se as postas do bacalhau, deixar cozer bem. Por fim rectifica-se
o sal. Este prato é servido bem quente com as sopas de pão migadas.
Sopa de peixe à alentejana (com
poejos e hortelã-da-ribeira) – 4 cebolas às rodelas, 5 dentes de alho, 4
pedaços de poejos secos, quatro pedaços de hortelã-da-ribeira, 2,5 dlts. de
azeite, 2 kgs de tomate, 2 kgs de batatas, quatro postas de corvina, sal q.b.,
1 folha de louro. Põe-se o azeite no tacho com as cebolas às rodelas e os
alhos, da mesma forma a hortelã da ribeira, os poejos, o azeite e o louro.
Põe-se tudo a refogar com sal, durante 15 minutos, depois desfaz-se o tomate e
junta-se ao refogado e está ao lume durante dez minutos. Depois adiciona-se
água (3 lts). Quando começar a ferver deitam-se as batatas às rodelas.
Mantém-se ao lume durante quinze minutos a cozer as batatas e o peixe. Corta-se
o pão às rodelas para dentro da barranhoa, deita-se o caldo por cima das sopas,
depois serve-se em tigela de barro. Numa travessa à parte serve-se o peixe.
Sopa mexida com oregãos e peixe frito – 1 Kg de pão de trigo caseiro, 2 cebolas grandes, três tomates bem
maduros, 3 ou 4 dentes de alho, oregãos q.b., 2 decilitros de azeite, 1,5 Kg de
sardinhas, 1 colher de sopa de banha. Escalda-se o pão partido às fatias e
abafa-se. Faz-se um refogado com azeite, cebola, tomate, alhos e oregãos. Em
estando muito refogado, deita-se água e deixa-se ferver. Espreme-se o pão e
junta-se ao refogado. Junta-se uma colher de banha, mais umas folhas de oregãos
e bate-se até fazer barriga de velha (ir fervendo). Frita-se o peixe e põe-se
em pão de oregãos. Acompanha com rábano e azeitonas ( in Alfredo
Saramago, Manuel Fialho, Cozinha Alentejana, Assírio e Alvim, e Concurso
de Cozinha Alentejana, As melhores receitas, CME, 1982/99).
O alecrim, o tomilho, a manjerona, o rosmaninho são sobretudo usados para
aromatizar pratos de carne, inclusive de caça.
Estórias de Cozinha
Eis alguns textos de minha autoria sobre modos de cozinhar as ervas ou
plantas bravas comestíveis.
A Erva da Fome – Ai, estou farta da cozinha! Já nã
sê o qu’êde fazer pá comida! Maria, sabes o que me estava a apetecer hoje pô
almocinho? Umas sopinhas de baldoregas. Ó, agarrá-las! Olha, manda o gaiato ó
mercado, a ver se ainda lá apanha o ti Cartaxo, qu’ele costuma trazê-las da
horta e são quase dadas.
Eu ouvia a
conversa e fugia a esconder-me na cozinha do quintal. Eu? Ó mercado? Eu até não
gostava de baldoregas, e só o cheiro dava-me ânsias. Mas então. Que o
raio do velho não tirava aquilo do sentido. Descobriu-me, apanhou-me por uma
orelha e lá tive que ir fazer o mandado.
Pata descalça,
com uma moeda de prata na algibeira, lá ia contrariado, dizendo mal da minha
vida. Porra! Que eu sempre é que pagava. João, vai à do Chila comprar uma
quarta de manteiga! João, vai à do Chico Penim levar estes sapatos p’ra pôr
meias solas! João, vai ó vinho à de Jaquim Campainhas!
Mas então, a
vida era assim, e as baldoregas lá estavam à minha espera, e o ti João
Cartaxo ao ver-me chegar, mangava comigo: Atão o que queres, lambesgóia? Um
molho de baldoregas. Ele agarrava nas baldoregas já meio murchas por causa
de meio dia de calor na banca de madeira e eu perguntava-lhe: Quanto é?
E ele respondia-me: Ó russo má pêlo, leva as baldoregas e diz a tua mãe que
para a outra vez paga.
O mercado a
fechar, quase uma hora da tarde, o ti Marquês já arrumava a baiuca mas ainda me
vendeu cinco tostões de brinhol com acúcar, pr’ó caminho.
Tarefa cumprida, minha mãe arranjava as ervas lavava-as e meti-as dentro de
um tacho com água juntamente com batatas cortadas às rodelas. Regava-as de
azeite, uns dentes de alhos com cascas, uma folha de louro, uma colherzinha de
colorau, outra de sal, e depois era deixar cozer e ouvir a estória que ela
tinha para me contar. Sabes lá tu o que custa amar a Deus. Estas ervinhas
que crescem nas hortas ao desbarato já mataram a fominha a muita gente!
À mesa do almoço torcia o nariz, mas lá engolia muito a custo as sopinhas.
Hoje desunho-me a comê-las, enriquecidas com ovo escalfado e queijo de cabra
cozido. E que rico sabor elas têm, as baldoregas desta saudade que chora.
Ôlhas – Ao lume de chão, em
que o azinho se muda em fogo de oiro, já na panela de barro, enegrecida dos
lumaréus, cozem os grãos duros com um punhadinho de sal. A água ferve em cachão
e faz tremer o texto raiado de cinza. É a hora de lhe juntar um bocado de
toucinho velho, uns ossos de porco salgados e uma linguiça pequena.
Entrementes ajeitam-se os tições e as brasas e metem-se mais uns paus para
manter a chama viva, mas não muitos que senão a panela racha com o calor
demasiado.
Lá dentro, num casamento de sabores do campo, o cozido toma gosto. Mexe-se
com a colher de pau, prova-se o caldo olhado a ver se está insosso e deita-se
um pucarinho de água para não se pegar ao fundo.
No alguidar vidrado humedecem os cardos arranjados, a abóbora e as batatas
aos quartos. A panela recebe-os e, de tão cheia, deita fora, vendo-se alguns
fios de gordura escorrer pelas paredes bojudas.
Agora, é pôr-lhe um raminho de hortelã, e, em lume brando, deixá-lo
abeberar até ao almoço.
Quando o homem da casa chega do trabalho, desencasqueadas as mãos e lavados
os braços, vai entrando e perguntando: O qu’é que temos hoje p’rá a olha? Da
cozinha do quintal responde-lhe a mãe dos filhos: Ó homem, parece que vens
esfomeado! Hum,m,m..., já cheira! Vamos a ela! Chama lá ao gaiatos!!
Mãezinha, Deixe-me Provar Um Bocadinho! – É pelo Carnaval, quando o inverno vem chuvoso e os regatos em músicas de
água corrente incham a terra fecunda, que o poejo viceja no meio de margaças e
cardos, escondendo-se aqui e ali entre pedras, torrões e recôncavos.
Esta menta das planícies cobre-se, nas folhas largas, dum verde viçoso e as
mãos de quem a colhe ao passarem pelos rebentos tenros recolhem o cheiro
intenso que delas se evola. Ó que cheirinho bom! Que lembranças!
Ir aos poejos ainda hoje é ofício de pobres, tendeiros e ciganos, mas na
infância que recordo, quem ia vendê-los a nossa casa era o Sete e Picos, a
cinco tostões o molho. Lavados, já sem raízes, ainda vertiam água no fundo da
alcofa de esparto. Minha mãe comprava logo três ou quatro molhinhos para fazer
o jantar predilecto.
Feijão manteiga, de molho dum dia para o olho, e vá de cozer ao lume de
chão na panela de barro mascarrada doutros cozimentos – água bastante e sal a
calhar para não ficar doce. Depois dois ou três dentes de alhos e uma folha de
louro, sete ou oito colheres de azeite, quatro batatas partidas aos quadrados
pequenos para engrossar e os poejos arranjados, tudo lá para dentro com a água
fervendo, e era deixar que a paciência do fogo fizesse o resto: dar alma ao
matrimónio. Logo, logo, dessalado o bacalhau de véspera, corto às postas, era
embebido no caldo e ao fim de alguns minutos estava pronto o repasto.
Naquele tempo, andando eu brincando, à tardinha, no corredor da casa, por
causa do tempo malino, vinha-me aquele cheiro forte da cozinha, crescia-me água
na boca e não resistia: Mãezinha, deixe-me provar um bocadinho!
À noite, quando o pai da gente vinha do trabalho, batíamos duas pratadas,
cada um, de feijão com bacalhau e poejos, e ficávamos impando. Depois, sabemos
todos o que o velhaco do feijão faz aos intestinos, e o pai sem querer,
esvaindo-se em sonoros rebentamentos, acusava os filhos e era uma barrigada de
rir sem destino.
Editado por:
No almoço cultural
“As Ervas Aromáticas
e o Peixe do Rio”
3 de Abril de 2004
Moinho do Alcaide
Herdade das Mestras
de Baixo
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